segunda-feira, 9 de março de 2009

Eles Asfaltaram a Rua do Meu Amor

Melhor seria se pegassem assim, pedaços do meu corpo, da minha alma, de tudo o que há em mim, para engrossar esse “progresso”, esse piche escuro, essa beleza mentirosa. Pegassem então, um tantinho da poeira que ficou guardada nos meus olhos. Pegassem as pedrinhas que agora habitam a sola do meu sapato. Aliás, sapato esse que ficou imprestável, tamanha tristeza que me causa só de olhar pro coitado, que não tem nem culpa. Porque o meu amor eles não pouparam da desgraça bruta, e aí de que vale o resto?

Ah! Aqueles espaços encharcados de sentidos, encaixados, envolvidos, cada um com seus avisos, suas armadilhas. Recheados de famílias de formigas e besouros carregando os restos de folhas pra cima e pra baixo, dando vida própria à rua quando se olhava lá da esquina. É... você não imagina o que era olhar da esquina e ver aquele oásis onde nada se repetia, onde dia após dia revelava um segredo...

Primeiro eu me apaixonei pela rua, talvez só por ela, não sei. O fato é que, num bendito dia do qual seria mais um dia comunzinho, daqueles tantos em que o branco da rotina pinta a memória da gente, deu na veneta de comer chuchu. Não sei explicar muito bem de onde veio isso, deve ser dessas coisas de destino, ou intestino, sei lá, só sei que me bateu uma vontade louca de comer chuchu enquanto voltava do escritório. Eu mesmo achei estranho quando veio aquele gosto na boca. Demorei a viagem toda no ônibus tentando decifrar aquele sabor de nada com temperinho verde, pensei nas coisas mais esquisitas, sempre com o temperinho, e nada. Duas paradas antes da minha me levantei, como sempre fazia, não interessava se a condução estivesse lotada ou vazia, era eu olhar aquela placa das Casas Bahia para automaticamente minhas pernas flexionarem, mesmo naquele dia em que o paladar já me causava agonia. Levantei, e distraído com o tal gosto de vento com tempero verde, esbarrei numa senhora gorda que também havia acabado de levantar, toda desengonçada, carregando umas quinze sacolas de supermercado, todas cheias até a boca. No encontrão uma delas escorregou pela mão fofa e suada da senhora, e acabou com o meu dilema paladarístico. Ufa! Olhei pro chuchu, balancei a cabeça e comecei a rir. Ora, tão fácil, né? Chuchu! A senhora, que tinha cara de Cleuza, mas se chamava Jandira, não gostou nada da minha risadinha e logo se armou com uma cara mais feia do que a que ela já tinha, e deu pra perceber o esforço dela enrugando com dificuldade a testa já enrugada. – Ta cego, seu bosta? Disse ela. Saí do meu êxtase pós-descoberta e lhe pedi desculpa. Pensei comigo que, cego nada; se fosse cego iria passar boa parte dos dias seguintes comendo coisas feito louco, pra descobrir que o meu desejo era por uma coisa tão simples e que eu nem gostava tanto assim.

Juntei o chuchu e mais algumas frutas que caíram pelo corredor do ônibus e me ofereci para levar algumas sacolas. Ela desenrugou o rosto, deu um sorrisinho de lado, agradeceu e me deu mais nove sacolas. Tentei disfarçar a cara de: Mas que folgada! Não sei se consegui. Ela então puxou a cordinha, e foi como se aquele ato transformasse tudo, e agora ela fosse minha melhor amiga. Nunca vi lábios tão fininhos, afiados e com a capacidade de falar tantas palavras num espaço de tempo onde sempre dava a impressão de que não caberia.



De repente continua...

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